Saiu na Revista Auto Esporte (Edição 560/Janeiro), informações sobre o futuro lançamento da Hyundai, o HB, que será produzido em Piracicaba no segundo semestre de 2012.
Na cara do gol
Daniel Messeder
Dirigir um protótipo quase um ano antes do lançamento oficial do carro é uma oportunidade rara. Em 11 anos de carreira, essa foi a primeira vez que recebi tal convite. Mas tinha gente ali mais ansiosa que eu naquela tarde fria de outono no Centro de Pesquisa e
Desenvolvimento da Hyundai, da Coréia do Sul. Eram os engenheiros do projeto HB, aboletados no banco de trás do hatch, enquanto eu assumia o volante. Era como se o trabalho deles nos últimos três anos caísse por terra diante de alguma crítica da minha parte. Saio devagar, mas logo me sinto em “casa” e piso fundo na reta da pista de testes. Ao fim de algumas voltas, os coreanos não se agüentam: “o que achou?”, perguntam apreensivos, num inglês carregado de sotaque. Podem ficar tranqüilos, senhores. A julgar pelo que mostrou nesse breve contato, o compacto da Hyundai projetado para o Brasil tem tudo para chacoalhar o segmento mais importante do nosso mercado. A produção em Piracicaba (SP) começa em novembro.
Antes de chegar ao campo de provas, nosso grupo é levado a uma enorme sala onde nos esperava um HB branco, sem camuflagem alguma. Era a única chance de conferir o visual arrojado do hatch, pois os carros do test drive (e das fotos) estavam cobertos do capô à tampa do porta–malas. Câmeras e celulares foram recolhidos na entrada. Foto aqui, só dos carros na pista, e sem direito a imagens do interior. Mas não escondi o sorriso de satisfação ao observar que o design do hatch é igualzinho ao do mocape que o site de Autoesporte mostrou, num furo mundial, em julho de 2010. Ao vivo, a impressão é ainda melhor que nas fotos – espia ou nas projeções que você confere nas próximas páginas. Os faróis grandes, os vincos marcantes e o perfil esportivo, com a parte traseira do teto mais baixa, dão ao HB um estilo agressivo que deixa o Gol e até o novo Palio comportados.
Abro a porta e vejo que a preocupação da Hyundai não se resumiu ao exterior. Nada de economia aparente. Em vez disso, há componentes de modelos de categoria superior. O HB exibe praticamente o mesmo (belo) quadro de instrumentos do Elantra, com direito a “copinhos” no velocímetro e no conta-giros, além de visores digitais para nível de combustível e temperatura do motor. A iluminação é azulada, padrão Hyundai. Há computador de bordo com o botão “trip” no próprio painel (à direita do velocímetro), enquanto as versões topo de linha trazem teclas de atender/desligar ligações de celular no volante, via Bluetooth. No dentro, destaque-se para o rádio/CD player em posições elevada, ao passo que o comando da ventilação (vindo da Kia Picanto) fica mais abaixo. À frente do câmbio estão as entradas USB e auxiliar do sistema de som, com uma marca particularidade em relação aos demais Hyundais: elas ficam num compartimento com tampa, permitindo que você esconda seu MP3 player ou celular dos olhares de cobiça. Seria uma preocupação especial para o Brasil? Pelo sim, pelo não, agradecemos a atenção.
Seguindo no meu “tour” pelo interior, gosto de pegada do volante de três raios e de observar que ele ajusta em altura e profundidade (no crossover ix35, por exemplo, só regula em altura). Em conjunto com o banco do motorista ajustável em altura (por roldana), o recurso proporciona ótima posição para dirigir – pena que o encosto regule por alavanca. Nas laterais de porta há espaços para garrafas, como o novo Palio. Passando ao banco de trás, o encantamento diminui. O túnel que atravessa a cabine é até discreto, mas o espaço para os passageiros é apenas razoável. Com o meu 1, 78, tenho que tomar certo cuidado ao entrar, pois o teto é um pouco baixo. Mas lá dentro não bato a cabeça no teto e nem o joelho no encosto do banco da frente, também ajustado para meu tamanho. Nesse ponto, o novo Palio leva vantagem, além de ter três encostos de cabeça atrás, contra dois do HB.
A Hyundai não divulgou as medidas do hatch, mas é possível fazer algumas constatações visuais: o comprimento fica em torno dos 3,90m, enquanto a largura parece regular com a do Palio (1,67 m) e a altura está mais para o Gol (1,46 m). Quanto à porta malas, que também não teve a capacidade revelada, me pareceu um pouco maior que nos rivais, na faixa dos300 litros. Bom é que há poucas reentrâncias no compartimento, o que facilita o uso. Para abri-lo, a maçaneta fica embutida no vinco da tampa com o pára-choque. O tanque de combustível abre por dentro, por uma alavanquinha no assoalho.
Os plásticos internos do próprio ainda não são os finais, mas dá para perceber que a qualidade do acabamento é superior à dos concorrentes nacionais e lembra muito outros carros da marca , como reza a cartilha da categoria, mas com texturas e partes pintadas de cinza-escuro e para- nas maçanetas e manopla de câmbio, por exemplo. Já o tecido dos bancos é simples, de acordo com a categoria, e a espuma tem densidade macia.
Terminada a apresentação estática, chegamos à pista de testes. Três protótipos então à disposição: 1.0, 1.6 e 1.6 automáticos. A marca não fala nada sobre dados técnicos, mas indica a origem dos motores. Ambos já são usados pela Kia (que pertence ao grupo Hyundai na Coréia) no Brasil: as unidades flex do Picanto(1.0)e do Soul (1.6).Hora de acelerar.
1.0 Dou a partida pela chave-canivete e logo reconheço o barulho característico do motor Kappa do Picanto. Com três cilindros, 12 válvulas (quatro por cilindro) e comando duplo variável, é um dos 1.0 mais eficientes atualmente. Um dos engenheiros no banco de trás diz que a potência é de 78 cv com etanol, número que a Hyundai não confirma oficialmente. No caso do Picanto, são 80 cv e 10,2 kgfm de torque com etanol, mas pode haver diferenças de calibragem para o HB.Os dados finais só serão revelados na época do lançamento.
Em movimento, as respostas me lembram muito as do Picanto, sinal de que a aceleração de0 a100 km/hdeve ficar em pouco mais de 14 segundos, como conseguido pelo Kia em nossos testes. O HB 1.0 ganha velocidade com facilidade (ao menos em piso plano), e a vibração do motor (típica dos três cilindros) é atenuada com um bom trabalho dos coxins só é preciso se acostumar com uma ligeira vibração na marcha lenta. O motor gira suave em altas rotações e o barulho e o barulho não chega a incomodar, mesmo a 4.000 rpm, quando o velocímetro aponta120 km/hem quinta marcha.Como no Picanto, o consumo deverá ser uma das atrações do HB, fruto do cilindro a menos. Baseado nas marcas registradas pelo Kia em nossas medições, com etanol, é possível prever cerca de9,5 km/l na cidade e 14 km/l na estrada. Antes de trocar para o 1.6, vale destacar a atuação do câmbio. De engates fáceis e curtinhos, lembra o do Gol.
1.6 Como o motor Gamma 1.6 16V, o HB exibe acelerações bastante animadas, quase esportivas. Numa saída mais forte, chego aos150 km/h rapidamente, mostrando que fôlego não falta ao propulsor, especialmente em rotações elevadas. Se esse 1.6 fica bom no Soul, então imagine num carro mais leve? Pois é. No Kia, a potência chega a 130 cv e o torque alcança 16,5 kgfm, mas, novamente, isso não significa que os valores do HB sejam exatamente os mesmos – uma fonte da Hyundai declaro 125 cv com etanol, mas a marca não atesta o dado. A relação de transmissão nos pareceu acertada, com 3.400 rpm a120 km/h em quinta marcha. Em altas rotações, porém, o isolamento acústico não foi capaz de impedir que o ruído do motor invadisse a cabine com mais vontade. O câmbio é tão bom quanto o da versão 1.0.
1.6 AUTOMÁTICO Aqui, os ânimos do bom motor 1.6 16V são um pouco arrefecidos pelo câmbio de apenas quatro marchas – é a antiga caixa usada por Soul e Cerato, que agora ganharam câmbio de seis velocidades. As torças de marcha são suaves, mas há certa indecisão nas retomadas, o que causa perda de rendimento nas ultrapassagens e subidas. Ainda assim, a boa força do propulsor proporciona desempenho agradável. E a concorrência não oferece nada além dos automáticos de quatro marchas (Sandero, 207 e C3) ou automatizado de cinco velocidades (Gol, Palio e Fox). Ou seja, se o HB não tem o câmbio mais moderno (poderia, se fosse o de seis marchas), estará ao menos bem inserido na briga.
Em todas as versões, um dos itens que tem dado mais trabalho à engenharia é a suspensão – tanto que os protótipos avaliados ainda não estavam com o acerto final de molas e amortecedores. “Lá no Brasil vocês valorizam dirigibilidade ou conforto?”, me pergunta um dos engenheiros. Digo que prefiro o handling, mas que o brasileiro gosta de carro que passa suave por nossas ruas esburacadas. Ele concorda. Por isso, o HB tem rodar mais macio que o dos demais Hyundais, embora, quando forçado em curvas ou desvios rápidos, tenha mostrado pouca rolagem de carroceria. A suspensão usa o mesmo esquema dos rivais, McPherson na frente e eixo de torção atrás. Comparando, O HB fica no meio-termo entre maciez do Palio e firmeza do Gol.
Só achei que os pneus são altos demais (175/70R14), novamente pelo temor os coreanos diante da má qualidade do asfalto brasileiro. Ao entrar mais “quente” no retorno da pista, os pneus dobravam em demasia, prejudicando a estabilidade. Um jogo de medidas 175/65 certamente ajudaria nessa condição, sem prejudicar tanto conforto. Aliás, interessante observar que os pneus dos protótipos eram brasileiros, das marcas Pirelli e Goodyear, em vez dos tradicionais coreanos Kumho e Hankook. Mas, como dissemos, o conjunto suspensão/pneus é uma equação que ainda falta a Hyundai resolver até o carro que vai para as lojas. O que já está definido é uma direção hidráulica, que exibe leveza nas manobras, chegando a lembrar um sistema elétrico.
Entro de volta no ônibus que nos levaria a Seul convencido de que a Hyundai vai mexer com o segmento de carros compactos. No caminho até a saída do centro de desenvolvimento, um Fiat Uno Way rodando por lá mostra que os coreanos estão estudando a fundo os concorrentes – há notícias de que Gol, 207, Sandero e Fit também foram dissecados pelos engenheiros coreanos. A questão-chave para o sucesso do HB será mesmo o preço: se mantiver a previsão de valores a partir dos 30 mil na versão 1.0, R$ 38 mil na 1.6 e R$ 43 mil na 1.6 automática, tem tudo para escoar a produção de 150 mil carros/ano. Os problemas que hoje afetam os importados da marca, como a falta de peças e os preços flutuantes (de acordo com a procura) da importadora Caoa prometem ser resolvidos com a fábrica local, de capital 100% Hyundai. Fora isso, o harch deve chegar com a longínqua garantia de cinco anos dos demais modelos da marca. Somados todos os fatores, a partir de novembro, a vida de Gol e Palio (Sem falar nos demais compactos) tende a nunca mais ser a mesma.
Viagem a convite da Hyundai
Projeções: João Kleber Amaral
Fonte: Auto Esporte